Nesse mundo em que pessoas se confundem à coisas, e vice versa.




— Só sei que dentro de mim tem uma coisa pronta, esperando acontecer, o problema é que essa coisa talvez dependa de uma outra pessoa para começar a acontecer.
— Toque nela com cuidado. Senão ela foge.
— A coisa ou a pessoa?
— As duas.


Abreu, C. F.

Nada pessoal

Numa viagem de vacations, ela. Numa rotina de desbravar, ele. Ela, tolhida, colocada em segundo plano recentemente por quem nunca imaginaria que a trocasse por outra (ainda mais por aqueles motivos obviamente sexuais), fechada e cansada dessas coisas de "ter alguém do lado" e acreditar no sentimento puro das pessoas, frustrada com essa realidade rara. Ele, não se sabe ao certo... Seu coração era tão cheio de vontade de amar que não saberia de onde veio ou para onde ia, ele estava ali, pleno e desperto. Fogueira, violão, música (sim, esta mística sonora com suas ondas vibrantes capazes de mexer com o momento pessoal ou coletivo de cada um), pessoas, barracas, cheiro de terra. Lua na fase que ela a apelidava de Cheschire ( gato personagem do livro de Alice - considerada sua favorita e semelhante). Pessoas juntas e alegres produzindo muitos sons, gargalhando, se movendo em demasia e abruptamente, cantando e contando, simultaneamente. Ela, aluada para a lua de seu conto. Ele, tocando e olhando para alguém que instigava por ser diferente, ela. Se aproximou. Ela, não se moveu. Ele, sorriu. A partir dali uma esfera nova os envolveu, numa bolha a qual ninguém poderia entrar ou entender. Ele a olhou nos olhos e captou tudo. Ela, abaixou a cabeça e ousou hesitar com uma palavra de desculpas aprendida pelo mecanismo social. Ele, tão cheio de carinho e compreensão, sorriu e interrompeu o início de palavras vãs dela com uma música que emergiu da sua verdade sincera, a mais sincera que ela já poderia ter visto e ouvido. A música fazendo seu papel, invadindo, e pelas retas do coração tocando-a. A partir dali ela começou a viver um amor puro e simples, livre de peso e segundas intenções. Caminharam juntos, assim, sem planejar ou pestanejar.  Sabe quando tudo te faz lembra a pessoa? Ela pensando nele. E quando os trejeitos do outro te fazem rir sozinho, vindo à mente sempre? Ele pensando nela. Dominaram a arte de supervalorizar o que mais tinham de incomum, detalhando poesia em tudo que podiam enxergar do outro para não se deterem em defeitos que costumam forçar à insuportabilidade. Os defeitos passavam a ser musicados por outro tom, soando bem aos ouvidos. Construíram sua história espontaneamente, baseada simplesmente em amar e ser amado, não vivendo a doença da sociedade e nem deixando de viver o mundo à sua volta, sendo vívidos em intensidade um para com o outro, tornando cristalino o caminhar. Mais do que o amor eros, irrompia em seus corações um fraterno amor, desses que custa ferir e acabar. Correção era sinônimo de amor e havendo machucado havia cura, numa fração de segundos. O coração dela era lapidado enquanto o tempo passava e os tecia. Ela, coragem de desbravadora. Ele, medo de ser tolhido e a perder. Sim, o acaso trouxe outros ventos, os quais só ele pôde enxergar primeiro. A vida dele teria que seguir por um caminho diferente do dela, e ela não poderia o acompanhar. Ela soube por derradeiro...
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 *Nota pontuada - O ponto à direita permite prolongar a duração de uma nota



Uma sensação difusa e intensa toma conta de ambos. Ela (...) Ele (...)

Amanheceu. Sol do meio dia. Ela estava ali, Ele lá... E uma música do silêncio que os une, como um tratado de eternidade. Numa rotina de desbravar, ela. Numa viagem sem vocação, ele.






107 passos

WTF?!


Um soco no estômago, um tapa na cara, ou qualquer adjetivo que descreva o quão mal pode deixar uma pessoa drama musical do polêmico Lars Von Terrier coroa dinamarquês que, de tão grande drama em cima de questões do existir em muitos de seus filmes, chega a ser sarcástico por nos fazer pensar SEMPRE de forma profunda e enlouquecedora quando acaba a sessão, codificando em suas entrelinhas algo do tipo: "se mate", lançado em 2000, Dancer in the Dark conta a história de uma mãe solteira portadora de uma doença hereditária na visão que tenta impedir que seu filho fique cego como ela está ficando. Tendo isso em vista, como cerne de sua felicidade e resolução da sua decisão de tê-lo mesmo sabendo que ele teria a mesma doença, ela trabalha o máximo que pode para economizar e pagar sua operação. Só que quando um vizinho amigo passa por problemas financeiros e a rouba, têm-se início uma série de trágicos acontecimentos que mudarão para sempre os rumos de sua vida. Daí, conhecendo Terrier, você já tira a duração do filme e o desenrolar com “n” pontos e conflitos psicológicos. Este é mais um de seus filmes com estilo cinematográfico de câmera de mão (amo!) que intriga a quem vê e traz à tona questões existenciais despontando os dois lados da moeda de um só homem e das várias facetas da vida. E seus finais, é claro, de impacto. Neste, 107 passos para tirar o ar.

Fiquei remexida. O longa me deixou cabisbaixa, abatida, mofina, emputecida. Refletindo, não sai da cabeça o quanto o ser humano é medíocre, banal e extremamente superestimado (coisas que a maioria de nós sabemos, até, mas tapamos os olhos – metáfora da cegueira no filme - para não enlouquecer e ver além do que já se viu,  porque não faz diferença enxergar mais). E aí vem Terrier, como de costume, te trazer de volta ao paredão das questões reais da vida e falar: não há como fugir.

Bjork eu te amo , além de cantar, compôs as músicas, e sua atuação antológica me arrebatou. Ver sua personagem sorrindo nos momentos mais tensos e melancólicos, junto à sua amargura angustiante, quando não tinha mais forças para sorrir, fizeram meus olhos ameaçarem lágrimas mas não me intimidei, mantive-me forte, até a última cena e...é, despenquei enxurrada. A personagem com seu jeito simples, de se alegrar com tudo, mesmo passando por situações horríveis, sua busca por sons que motivassem seu existir, se libertando em um mundo paralelo (a perfeição do real para si, mas não de modo inatingível) de realização com dança e música, fazendo que as coisas boas triunfassem... foi magnífico e transformador!





 "Dizem que é a última canção,
 Eles não nos conhecem; você vê.
 É apenas a última canção
 Se deixarmos que seja."




Ânimo


Mar de sensações, maré de ânimos. É o que sou levada a sentir... De todos os tipos e nuances. Faça um teste, ouça cada música de olhos fechados depois de ler o título da música. De forma minimalista, o piano, os instrumentos de corda, o silêncio, as mixagens, unidas, se entrelaçam e se confundem em si numa crescente, trazendo uma sensação profunda de saudade, efemeridade, e mergulhando sua imaginação nesse mar denso de som. As guitarras dão um ar etéreo e distante, as águas correm, o vento leva, a batida te impulsiona como o batuque do coração, o orquestral explode o peito.
Sendo fã de post rock e música experimental, ouvir sua composição remeteu à sonoridade de Sigur Ros e Amiina Kuhr... Vibrei (inclusive por esse talento ser brasileiro)! Quando estava ouvindo algumas músicas no SoundCloud (mediante meus finais de semana numa “terra estranha”, de busca por novidades musicais e downloads de filmes exóticos) num comentário ingênuo e extasiado expus, sem esperar confirmação, crítica ou resposta. Não é que estava certa? Achou um baita elogio e confessou que Sigur e Amiina são umas referências muito fortes pra ele.

Eis o Ânimo (download do álbum completo no final do post), trabalho do estudante de cinema de Niterói, Pedro Drumond. Feito em seu quarto. Talvez o ambiente tenha influenciado nesse tom intimista, reflexivo e transparecido um particular interno nas confissões. Uma das músicas do álbum se chama Animus Anima (no latim - mente/espírito e alma; para a psicologia Analítica de Jung - o arquétipo masculino na mulher e o feminino no homem) e só pelo título já se confirma o tamanho da sensibilidade desse compositor.


Não adianta me olhar assim
Sem dizer o que quer de mim
Não consigo entender

Gostaria de poder ver 
O que dói tanto dentro de você
Então eu faria certo dessa vez



  
                            Download do álbum Ânimo



A Ira de um Anjo

 Talvez você já esteja acostumado a ver casos de abuso infantil, pela TV ou ouvir da boca do povo, ou ainda, vivenciado ou tido alguém próximo que passou por isso. Mas, ouvir relato do caso pelo abusado com tamanha sinceridade é raro. Os abusados tendem a se fechar ao trauma, principalmente por serem pressionados à omissão (seja pelo abusador ou pela sua consciência traumática). Essa triste realidade contribui para distúrbio comportamental e psicológico, interferindo em sua relação com o meio e suas relações interpessoais. Realidade essa que pode estar mais próxima do que imaginamos.

 A Ira de um Anjo (Child of Rage) é uma compilação das fitas de terapia do Dr. Ken Magid, um psicólogo clínico especializado em tratar de crianças que foram severamente abusadas, que não se ligam afetivamente à outras pessoas, que não podem amar ou aceitar o amor, que não têm consciência dos seus limites, podendo ferir ou matar sem remorso algum. 
Quando descobri esse documentário, confesso que ele me chocou profundamente, pois não tinha tamanha noção dos efeitos devastadores de abuso em uma criança, coisas que a TV não mostra, e que os poucos programas de política pública, por não possuir investimento o suficiente, não tem domínio absoluto para agir na população, tratar e conscientizar da fatídica realidade. Sim, as vítimas podem ser ajudadas, e os que estão à sua volta trazem um papel fundamental. 

 Essa é a estória de uma menina de 6 anos e meio, chamada Beth: